quarta-feira, 15 de agosto de 2007

LIÇÕES DO DESERTO












Abro o orkut e me deparo com um scrap de minha filha: "Pai ainda estamos no deserto, mas por Deus, sairemos dele juntos".

O deserto está sempre presente na Bíblia, desde os primórdios quando Adão e Eva foram a ele mandados por desobediência.


Os filhos de Israel vaguearam por quarenta anos no deserto, onde a sede era tão intensa que, em certa ocasião Deus interviu, conduzindo Moisés à rocha para que dela vertesse água cristalina em abundância.

O próprio Cristo foi levado ao deserto para ser tentado por Satanás, tendo apenas a companhia de feras, muito embora, os anjos o assistissem sem intervir.

Perdido em conjecturas, lembrei-me de um texto de John Updike, escritor norte-americano, lido há bom tempo.
O deserto está aumentando, e o homem pastoral é mais predador do que o caçador de peles.
Nações pastoris inteiras do norte da África foram reduzidas ao deserto, onde hoje quem reina absoluta é a fome.
Muitas paisagens verdejantes por onde caminhou o nosso Salvador, tornaram-se vales descorados onde só conseguem habitar estranhos personagens envoltos em lençóis.
Segundo os geólogos, existem hoje, mais desertos do que em qualquer época dos anos de existência da Terra.

Em um outro sentido, será que o deserto também não está crescendo ?
As calçadas de nossas cidades são desertas, esvaziadas pelo medo, os nossos subúrbios são monótonos e solitários, as casas untadas são protegidas por grades e muros sem que se aviste qualquer um dos que nelas habitam.
E o que se revelou a nossa tecnologia, que se gabava de sua intenção de reconstruir o paraíso ?
Tornou-se uma pérfida espalhadora de venenos que está a nos levar ao deserto mais absoluto de todos os desertos.
No entanto - sempre deve haver um no entanto - como é cheia esta paisagem despida de prédios e de imponentes florestas.

Talvez já ouviram falar do Vale da Morte, a mais áspera bacia do deserto americano, que os espanhóis chamavam de La Palma de la mano de Dios.

Como são preciosas as esparsas flores de cacto em forma de órgão a trovejar o seu hino transcendental.
Há um coral de louvores que se eleva livremente na vida do deserto, fervilhante e invisível.
O pecari, a jaguatirica, o lagarto de chifre, o coelho de rabo preto, o rato-canguru que nunca precisa beber água, e a planta secular que só floresce a cada decênio.
Os cactos vivos que como pedras imitam pedras, e entre os quais crescem cobras que serpenteiam de arbusto em arbusto, o algarobo que estende suas raízes a uma profundidade de trinta metros, a ocotéia que solta as folhas para reduzir a um mínimo a evaporação e continuar a fotossíntese através do verde de sua casca.
Os pássaros que fazem seus ninhos por entre espinhos; as sementes das plantas do deserto que esperam astuciosamente por um mero chuvisco para romper suas carapaças sabendo que se trata de um dilúvio que mexe os ácidos e os dissolve.

Basta uma luminosa chuva rara para que tudo se transforme dentro daquela árida imensidão.
O deserto fica atapetado de prímulas, papoulas, malvas, zínias, margaridas da terra, plantinhas rasteiras como os goivos que confiam suas pétalas em miniaturas ao sol abrasador, o lírio-mariposa se lembra que existe, a gosmenta flor da iaúca se torna convidativa à mariposa, o cacto flor-da-noite, seu irmão lunar e o pequenino cacto taça-de-clarete que estende sua taça para beber das gotas abençoadas.

Que lição podemos tirar dessa profusão incontida ?
A lição fala por si: viver, viver, viver, mesmo que não haja nada senão a vergonha e o fracasso para guarnecer a vida.

Para os que perderam seus lugares, lembro-os que a coruja faz sua casa na polpa de um saguaro.
Para aqueles cujos fatos recentes ainda se abatem impiedosamente sobre si, lembro-os que o coiote espera pacientemente na sombra até que passe o calor do sol abrasador.
Para os que não encontram fé em si mesmos, lembro-os que não há semente tão seca que não contenha em si o código da vida, e a não ser que um grão de trigo caia na terra e morra, não ficará só, mas morrendo, produzirá muitos frutos.

Sejamos como o iguana que quando ameaçado, corre para um lugar apertado, para uma fresta nas rochas ardentes do deserto, e uma vez por lá, não se encolhe envergonhado, ao contrário, estufa-se, inchando até a metade de seu tamanho natural só para tomar conta por inteiro da fresta onde está, como se fosse uma alma viva a encher um corpo vivo.
Assim, não pode ser desalojado pelas garras ou unhas de qualquer inimigo.

Diante de tantas lições do deserto, ainda há o conforto maior que tranquiliza qualquer coração: O Deus Todo-Poderoso nos acha, rodeia-nos, cuida e nos guarda como a menina dos seus olhos.

"Porque a porção do Senhor é o seu povo, Jacó é a parte de sua herança. Achou-o numa terra deserta e num ermo solitário povoado de uivos; rodeou-o e cuidou dele. Guardou-o como a menina dos seus olhos".
(Dt. 32:9-10)

Pois é minha querida filha Trícia, ainda que trafeguemos na dura estrada do deserto, o Todo-Poderoso está presente e tem-nos como menina dos seus olhos e, por isso mesmo, coloca de prontidão os seus anjos a nos assistirem vinte e quatro horas por dia.
Exatamente como fez com o Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

TÉRCIO DE PAIVA FARIAS

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